Os moradores do Leste Metropolitano precisam da Barragem do Guapiaçu para ter água para beber?

Os moradores do Leste Metropolitano precisam da Barragem do Guapiaçu para ter água para beber?

No ano de 2007 quando o Comperj foi projetado como o maior empreendimento da América Latina, propagou-se que a população dos municípios do Leste Metropolitano do Rio de Janeiro cresceria tanto que seria necessário construir uma grande barragem no rio Guapiaçu, no município de Cacheiras de Macacu, para assegurar água para o consumo de toda essa população. Esta barragem foi prevista no EIA-Rima do Comperj como compensação ambiental necessária para a liberação das licenças para instalação do empreendimento. 

Ao longo dos anos seguintes essa necessidade foi questionada por diversos especialistas que apontaram vários problemas na proposta da barragem: 1) ela foi prevista para uma área tida como “vazio demográfico”, mas na região há dezenas de comunidades rurais com mais de 800 famílias de agricultores e expressiva contribuição para o abastecimento alimentar do Grande Rio; 2) a falta de água em residências dos municípios do Leste Metropolitano já é uma realidade, mas tem pouco a ver com a falta de disponibilidade regional de água, mas com duas questões centrais - i) há uma desigualdade estrutural no acesso à água no estado do Rio de Janeiro, onde grandes projetos de desenvolvimentos, como o Porto do Açu e a Ternium Brasil, consomem juntos um volume de água maior do que toda a população da cidade do Rio de Janeiro; ii) há sérios problemas de operação do sistema de distribuição, desde a falta de tubulações para o abastecimento de bairros periféricos à desigualdade na oferta de água, posto que não falta água nas áreas nobres de Niterói, como Icaraí; 3) apesar do EIA-Rima do Comperj afirmar que a água para o complexo industrial viria do reuso de água tratada pela CEDAE em estações de tratamento de esgoto situadas na Baía de Guanabara, nenhum sistema de transporte de água entre estas estações e o Comperj foi construído, evidenciando que o objetivo da barragem era abastecer de água o Comperj e não a população do Leste Metropolitano; 4) quando a Petrobras entrou em crise e o projeto do Comperj foi drasticamente reduzido o governo estadual usou a crise hídrica de São Paulo em 2014 para defender a necessidade da construção da barragem para evitar que o mesmo problema chegasse ao Rio de Janeiro; 5) não há um sistema que possibilite uma análise integrada por Bacia Hidrográfica no tocante aos volumes retirados dos rios, portanto não há como medir o real impacto sobre as bacias; 6) os pedidos de retirada de água dos rios para fins econômicos (chamados de outorga) são baseados em autodeclaração e não há fiscalização do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) sobre os volumes retirados; 7) e pior, a renovação das outorgas é automática, sem qualquer verificação se a empresa está retirando o volume concedido ou se está consumindo mais água do que o que foi autorizado, a não ser que haja alguma denúncia.

Todos esses problemas foram por nós apontados em textos anteriores (AGB, 2012 e 2014). E contribuíram para que a barragem não fosse construída, embora a razão fundamental para sua não construção tenha sido a mobilização dos agricultores do Guapiaçu, liderados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Em agosto desse ano a Petrobras e o governo estadual celebraram junto ao Ministério Público um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que, entre outras coisas, estabelece que a Barragem do Guapiaçu não é mais uma compensação ambiental do Comperj, o que corrobora as críticas feitas por nós anteriormente.

Entretanto, o mesmo TAC abre uma brecha para a futura construção da barragem caso seja comprovado que a população do Leste Metropolitano precisa desta água. Assim, torna-se necessário retornar à pergunta que dá título a este texto: os moradores do Leste Metropolitano precisam da Barragem do Guapiaçu para ter água para beber?

A resposta para esta pergunta é: não!

A continuidade dos estudos na bacia do Guapiaçu nos permitiu agregar aos argumentos anteriores (que continuam válidos), alguns outros argumentos que sustentam nossa afirmação.

O primeiro é que, ao contrário do previsto nas licenças ambientais concedidas ao Comperj, não foram feitas ações de reflorestamento nas margens dos rios da bacia Guapiaçu-Macacu que aumentariam a vazão do sistema Imunana-Laranjal, que abastece o Leste Metropolitano, portanto, antes de qualquer barragem há ações menos impactantes a ser realizadas para aumentar a oferta de água para a população da região.

O segundo e mais impactante é que descobrimos na bacia do Guapiaçu uma grande captação de água para fins industriais que contribui para reduzir substancialmente a vazão deste rio e, consequentemente, do sistema Imunana-Laranjal. Através de dados requeridos ao INEA, via Lei de Acesso a Informação, encontramos nove registros de pedidos de outorgas da AMBEV, que possui uma de suas plantas industriais em Cachoeiras de Macacu, divididos em três grupos declarados em três datas diferentes – 2011, 2016 e 2017. Os dados declarados em 2011 são referentes ao período em que esta planta industrial era de propriedade da Brasil Kirin. Em meados de 2016, a Ambev adquiriu a planta industrial de produção e envase de bebidas alcoólicas e não alcoólicas da Brasil Kirin. Os outros registros são referentes a períodos posteriores a esta operação, mas mantém as mesmas localidades e volumes de captação da antiga Brasil Kirin. Apenas a Ambev capta da Bacia Hidrográfica Guapi/Macacu 400,5 milhões de litros de água por ano, consumo maior que toda a população de Cachoeiras de Macacu. Além disto, estes dados causam estranheza, já que os três registros apresentam exatamente os mesmos índices de vazão consumida em um período de seis anos. Isto significaria, portanto, que não houve qualquer alteração do volume de água consumido pela AMBEV neste período, e nem mesmo quando a planta industrial era de propriedade da Brasil Kirin, apesar das evidências de aumento da produção da fábrica.

Assim, antes que se pense em construir uma barragem com enormes impactos socioambientais no rio Guapiaçu, cabe perguntar se não seria melhor investigar se a Ambev está respeitando o volume de água outorgado; se a concessão da outorga para a AMBEV deve ser mantida; ou então impor à empresa a realização de ações que assegurassem o aumento do fornecimento de água para o Leste Metropolitano.

Afinal, não faz sentido dizer que falta água para os moradores do Leste Metropolitano e autorizar uma só empresa a captar mais água que toda a água destinada à população de um município.   

GTAgrária das AGBs Rio e Niterói – Janeiro de 2020

 

 

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