Carta de Guapiaçu pelo Rio, pela Vida e pela Dignidade

24-09-2016 03:08

Aprovada durante o IV Encontro Internacional pela Terra e Território, realizado em Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro.
 
Nós somos faxinalenses, vazanteiros, pescadores, ilhéus do Rio Paraná, indígenas Kaigang, Suruí Aikewara e Xavante A’uwê Uptabi Marãiwatséde, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, camponesas e camponeses, trabalhadores da cidade e do campo, agentes de pastoral, educandos e educadores universitários vindos de todas as regiões do Brasil, da Bolívia, Colômbia e Chile, e nos reunimos no Vale do Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu – RJ, entre os dias 14 e 17 de setembro de 2016 para o IV Encontro Internacional pela Terra e Território. Viemos para nos conhecer, narrando nossas lutas e as formas como habitamos, convivemos e cuidamos de nós e de nossos territórios, intercambiando nossas experiências de vida, de produção e organização política. Viemos também para darmos as mãos, nos fortalecendo em nossas lutas.
Fomos muito bem recebidos pela comunidade do Vale do Guapiaçu e pudemos também conhecer algumas das histórias dos homens e mulheres que aqui vivem. São histórias marcadas por diferentes processos de exploração do trabalho e de expulsão que fizeram com que essas famílias viessem para essa região nos anos 1960 e 1970 e passassem a lutar para conquistar essa terra em que vivem hoje. Foi a partir da terra conquistada e reconhecida pelo Estado na forma de assentamentos de reforma agrária que puderam construir uma vida com dignidade, criando suas formas de convivência e auto-organização, produzindo alimentos e água para si e para o abastecimento da cidade, cuidando de sua cultura e da sua memória.
Infelizmente, também soubemos que essa vida se encontra mais uma vez ameaçada pela expulsão, em função de um projeto que desrespeita a comunidade e quer impor a construção de uma barragem no Rio Guapiaçu, a cerca de 100 Km do Rio de Janeiro. Esse projeto, proposto pela Secretaria do Ambiente desse estado, insere-se no conjunto de condicionantes do licenciamento ambiental do Complexo Petroquímico (COMPERJ) e no cenário de “estresse” hídrico do leste da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Esse projeto mente à população do Rio de Janeiro ao afirmar-se como necessário para o abastecimento de parte da cidade, ignorando outras possibilidades alternativas. O projeto esconde que esta barragem teria um curto prazo de validade, pois estudos mostram que em 2035 ela já não seria mais capaz de abastecer a população da cidade, o que reforça sua inviabilidade.
O projeto, que já vem sendo ventilado há 6 anos, ameaça mais de 1.000 famílias em 12 comunidades, oprimindo-as ao trazer-lhes insegurança e constantes ameaças, dificultando que elas continuem com sua vida e sua produção. O projeto reativa as histórias de expropriação, expulsão e violência que já marcam as memórias dos homens e mulheres que aqui vivem. A barragem, se concretizada, inundará 2.100 ha e impedirá a produção de milhares de toneladas de alimentos – aipim, milho, jiló, quiabo, laranja, goiaba, palmito de pupunha, hortaliças e leite – que saem mensalmente do Vale do Guapiaçu para o CEASA do Rio de Janeiro (o que representa 40% do total ali comercializado) e para mais de 70 escolas estaduais como merenda escolar, alimentando nossas crianças todos os dias. Além disso, seriam mais de 15 mil empregos diretos e indiretos destruídos.
O projeto de barragem, na verdade, só atende um único interesse: o do grande capital e seus representantes no governo, eles próprios responsáveis pelo Estudo de Impacto Ambiental que tem se mostrado inconsistente quando confrontado tanto pelo conhecimento local, como por estudos científicos independentes. Os moradores, organizados no Movimento dos Atingindos por Barragens (MAB) não se negam a compartilhar a água e apresentaram projetos alternativos para aumentar o volume de água que já é captado pelo sistema Imunana-Laranjal na Bacia Guapiaçu-Macacu para abastecimento do Leste Metropolitano, através de recuperação das nascentes e das matas ciliares e manutenção do rio vivo para garantir água e alimentos para sempre. Estes projetos sequer têm sido considerados pelo governo.
Por todos esses motivos, nós, aqui reunidos no IV Encontro Internacional pela Terra e pelo Território denunciamos que essa barragem é mais uma violência que tem se reproduzido em todo o território nacional e nos solidarizamos e apoiamos a luta das companheiras e companheiros do Vale do Guapiaçu contra ela. Afirmamos que todos os rios devem ser livres e precisam continuar vivos para garantir águas para a vida e não para a morte. Terra e Água não são mercadorias!
Vale de Guapiaçu, 17 de Setembro 2016
 
ASSINAM ESTA CARTA:
 
Grupos, Comunidades, Movimentos Socias, Instituições
LEMTO-UFF - Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades – Rio de Janeiro, Brasil
IPDRS - Instituto para el Desarrollo Rural de Sudamérica, Bolívia
AGB - Associação dos Geógrafos Brasileiros, Brasil
APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
Articulação Puxirão de Povos Faxinalenses, Paraná, Brasil
Associação Quilombola Brejo dos Criolos, Minas Gerais, Brasil
Brigadas Populares, Brasil
Comunidade Caraíbas Norte de Minas, Minas Gerais, Brasil
Comunidade Quilombo do Kalunga, Goiás, Brasil
Comunidade Quilombola Castainho, Pernambuco, Brasil
Comunidades Ribeirinhas do Rio São Francisco, Brasil
CPT – Comissão Pastoral da Terra, Brasil
LABERUR - Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos, Universidade Federal de Sergipe - UFS, Sergipe, Brasil Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial: Agroecologia, Gênero e Participação Política no Campo Sergipano, Brasil
MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens, Brasil
MCP - Movimento de Comunidades Populares, Brasil
MIQCB - Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco babaçu, Brasil
Movimento dos Ilhéus do Rio Paraná, Paraná, Brasil
MPP - Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais, Brasil
MST - Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, Brasil
NETAJ-UFF - Núcleo de Estudos sobre Territorialidades Ações Coletivas e Justiça, Rio de Janeiro
Povo Kaingang, Paraná, Brasil
Povo Suruí-Aikewara, Pará, Brasil
Povo Xavante, Terra Indígenas Marãiwatsédé, Mato Grosso, Brasil
Quilombo Paiol de Telha, Paraná, Brasil
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodí , Rio Grande do Norte, Brasil
Via Campesina, Brasil
Xingu Vivo para Sempre, Pará, Brasil
 
Participantes
Alexander Panez Pinto, LEMTO, Niterói – RJ, Brasil
Alexania Rossoto, MAB, Rio de Janeiro, Brasil
Aline Miranda Barbosa, IFPR/LEMTO,
Alzeir Coimbra Pereira, MAB, Cachoeiras de Macacu – RJ, Brasil
Amantino Sebastiao de Beija - APF-Faxinalenses
Ana Carolina Pordo
Angela Massumi Katuta - UFPR
Ayala Dias Ferreira - MST/Pará
Carlos Walter Porto-Gonçalves , LEMTO, Niterói - RJ, Brasil
Cledeneuza María Bizerre Oliveira - MIQCB/CIMQCB
Cosme Rite, Xavante A’uwê Uptabi Marãiwatséde, Mato Grosso, Brasil
Daniela Saares da Silva, Movimento Xingu Vivo,
Dionizio Felipe, MAB, Cachoeiras de Macacu – RJ, Brasil
Eduardo Barcelos, AGB – GT Agrária , São Pedro da Serra - RJ - Brasil Eraldo da Silva Ramos Filho, UFS, Sergipe - Brasil
Ester Monsonis Ferrer
Estevão Tsimitsute , Xavante A’uwê Uptabi Marãiwatséde, Mato Grosso - Brasil
Fernando Michelotti – UNIFESSPA, Marabá – PA, Brasil
Francisco Edilsorrneto - STTRA
Gabriel Fortunato, NETAJ, Niterói, Brasil
Gabriela Dantas,MAB, Rio de Janeiro, Brasil
Joao Bejamin Franco - ILHÉUS
Jorge Montenegro - ENCONTRA/UFPR
José Beserra de Araujo, MCP, Rio de Janeiro, Brasil
José Carlos - Quilombo Castaínho - PE
Julia Santos Rodríguez Dias, Rio de Janeiro, Brasil
Kreta Kaningang, Kaigang/350 Brasil/APIB,
Laura dos Santos Rougemont , NETAJ, Niterói, Brasil
Leandro Bonecini de Almeida, LEMTO, Rio de Janeiro, Brasil
Levir Jacinto, MAB, Cachoeiras de Macacu – Rj, Brasil
Lina María Hurtado, LEMTO, Niterói – RJ, Brasil
Lourdes Fernandes de Souza , Associacao Quilombola Kalunga, Monte Alegre – GO, Brasil
Luciana Miranda de O. Costa, Rio de Janeiro, Brasil
Luiz Jardim, UERJ/ AGB – GT Agrária, Rio de Janeiro, Brasil
Magno Silvestri, UFMT , Mato Grosso, Brasil
Manuel Erlano de Sica - MST
Marcela Burger Sotto Maior, LEMTO, Niterói – RJ, Brasil
Marcio Santos, MCP, Rio de Janeiro, Brasil
María José Cavalcante - Pastoral da Terra
Marina Micas Macieira, FFP/UERJ, Rio de Janeiro, Brasil
Mauro Fabiano, MST, Macaé – RJ, Brasil
Messias Gonçalves dos Santos, MAB, Cachoeiras de Macacu – RJ, Brasil
Michel Couto Lopes, NETAJ/UFF, Niterói – RJ, Brasil
Milson Betancourt, LEMTO/UFF, Bogotá, Colômbia
Natalia Alves - Brigadas Populares
Nelia Rodríguez Souza - Empório do Cerrado
Oscar Bazoberry, IPDRS, La Paz, Bolívia
Paulo Alentejano, UERJ/AGB – GT Agrária, Rio de Janeiro, Brasil
Pedro D’Andrea Costa, AGB - GT Agraria, Niterói, Brasil
Plácido Junior, CPT, Recife – PE, Brasil
Rosilene Brives Viana de Melo, MAB, Cachoeiras de Macacu – RJ, Brasil
Rogerio da Conceição - MPP
Rosilene Borges da Conceicao, MAB, Cachoeiras de Macacu – RJ, Brasil
Ruth Bautista Durán, IPDRS, La Paz, Bolívia
Thiago Damas, NETAJ/UFF, Rio de Janeiro, Brasil
Verónica Rodrigues, LEMTO/UFF, Rio de Janeiro, Brasil
Welton Awayten Suruí - Suruí Aikewara
 
Adesões devem ser enviadas para uff.lemto@gmail.com.

Voltar

 

 

Contato

AGB Niterói
Sede: Instituto de Geociências – UFF
sala Professora Martha Ramscheid -3º andar

Av General Milton Tavares de Souza, s/nº
Campus da Praia Vermelha
Boa Viagem - Niterói – RJ
CEP. 24.210-340

agbniteroi © 2020 Todos os direitos reservados.

Crie um site grátisWebnode