Base Nacional Comum de Currículos da Educação Básica no Contexto da Escola Pública e das Políticas Educacionais Neoliberais

07/10/2015 03:08

GT Ensino de Geografia

AGB-Niterói

 

            A implantação do sistema nacional de educação, a universalização da educação básica e a consequente erradicação do analfabetismo que, desde o século XIX, está na base da formação dos Estados-nacionais, no caso brasileiro, não se realizou. Na atual década de 2010[1], o ensino fundamental tem mais alunos matriculados do que o total de crianças na faixa etária de 6 aos 14 anos, revelando que eles permanecem em um nível de ensino, embora sua idade corresponda ao nível superior.A população com 15 anos ou mais tem em média 7,7 anos de estudo, mais da metade não conclui o ensino fundamental na idade certa, e a taxa de analfabetismo absoluto está em torno de 9% e de analfabetismo funcional é 20,4%.Em relação à infraestrutura, nas escolas do ensino fundamental da rede pública, menos da metade possui biblioteca ou sala de leitura, acesso à internet ou laboratório de informática. Nos cursos de licenciatura, mais de 60% dos alunos matriculados estão em instituições privadas. Este quadro de características quantitativas e qualitativas demonstra a precariedade do sistema, ou seja, a combinação do processo de expansão da escola pública como direito da população, com a precarização das condições de trabalho e de ensino que se reproduz na educação brasileira, acumulando enorme déficit educacional.

                   As atuais políticas educacionais objetivam formar o indivíduo obediente, consumidor e novo trabalhador flexível, articulando as transformações do processo de trabalho da acumulação flexível ao consumo de novas mercadorias/novas tecnologias. Pela educação se formam trabalhadores de diferentes níveis, desde aqueles com altas habilidades de inovação – essenciais ao modelo tecnológico vigente -, até aqueles que devem ser treinados para o consumo de produtos tecnológicos. Avaliação e reforma curricular assumem centralidade e destacam-se pela valorização de competências e habilidades, um saber-fazer articulado à mudanças tecnológicas do processo de globalização.  As competências representam metas sociais, desenvolvidas por atividades didáticas que impliquem em ações baseadas em várias habilidades. A avaliação externa é central e materializa um conjunto de ações que busca regular e controlar o trabalho do professor e do que se realiza nas escolas. IDEB, Prova Brasil, ENEM, ENADE, SAERJ são instrumentos de avaliação homogêneos e gerais inspirados em metas quantitativas, e que não dialogam com diversidade de experiências que se realizam em todos os lugares do país; portanto, descolados dos problemas qualitativos enfrentados pelos professores e escolas.  Não tem por finalidade a qualidade do ensino, pois expressa uma concepção do professor incapaz e generalista, implicando na banalização da profissão docente. Com base na avaliação externa e no alcance das metas, propõe-se a flexibilização dos salários e otimização dos custos. A precarização das condições do trabalho docente é uma expressão da precarização geral das condições de vida dos alunos e de grande parcela das brasileiras e dos brasileiros em todo país, que, por sua vez, se fundamentam no processo produtivo e reprodutivo do atual modelo de desenvolvimento do capitalismo. Este processo resulta no desgaste emocional, na baixa estima, na inquietação por não ver os resultados de sua prática, a renúncia de ser sujeito ativo de transformação social.

                   No contexto das atuais políticas educacionais neoliberais e ocupando um lugar central está a reforma curricular, com construção dos componentes curriculares de Base Nacional. E uma proposta contendo os componentes curriculares da Base Nacional Comum já está sendo elaborada por uma Comissão de Especialistas que foi nomeada em Julho de 2015 pelo Ministério da Educação. Inicialmente, devemos considerar que a BNC é um consequência do PNE e como tal deve haver uma discussão ampla pelos diferentes atores e instituições da sociedade cível. A intenção, portanto, é tratarmos dos efeitos das políticas públicas em Educação que terão força de Lei e que na fase atual, bastante adiantada contém pelo menos quatro motivos para crítica e uma avaliação mais apurada. A posição do MEC com a implementação da Base Nacional Comum, tendo em vista os motivos expostos anteriormente, tende a aprofundar os problemas da educação brasileira.

                   A primeira questão é a perspectiva centralista e anti-democrática do MEC ao conceber e nomear uma comissão a partir da indicação de entidades vinculadas aos Estados, Conselho Nacional de Secretários de Educação – CONSED e Municípios – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNDIME[2]. Devemos considerar as entidades dos professores, Sindicatos e Associações, bem como as instituições de pesquisa que constituem uma história um arcabouço teórico sobre o tema, inclusive com analise de resultados. No entanto, diferentes estados e municípios[3] adotam como pauta o currículo mínimo a flexibilização dos professores e um currículo técnico orientado para habilidade e competências. Esses currículos desconsideram saberes fundamentais para compreensão do sujeito sobre o mundo em que vive e dos conhecimentos necessários à formação do homem e da mulher de forma plena.

                   A segunda questão é com relação a formação dos professores para Educação Básica. Tem-se que admitir que as diferentes áreas do conhecimento não têm a clareza da relação entre os saberes disciplinas e os componentes curriculares. Nesse caso, o debate deveria estar posto nos cursos de formação de professores em articulação com a escola básica e que poderia ser mediado pelas pesquisas dos programas de pós-graduação. Ao contrário, o MEC impõe, via base Comum, um currículo escolar que tenciona a Escola e Universidade, com uma proposta que não leva em conta a qualidade do ensino, mas a flexibilização das relações de trabalho, a precarização na formação dos professores, a diminuição dos custos com a redução no tempo de formação e a diminuição de custo.

                  A terceira questão diz respeito à avaliação que vem como pacote pronto que combina um política restrição com controle ao acesso as universidades, condiciona financiamento, estimula a competição e induz na prática o currículo mínimo. Nessa conjuntura, não há respeito as diferenças e diversidade regional. Uma concepção de avaliação que tem por fundamento o controle e a regulação como instrumentos de mensuração global e quantitativa foca nos resultados, em detrimento das avaliações diagnósticas e qualitativas que leve em consideração todos os sujeitos e instituições do processo educativo e o processo.

                  Por fim, outro ponto, que está ainda nebuloso, é sobre a abordagem de questões de raça e gênero.[4] O Novo PNE e o documento Pátria Educadora não fazem menção a esses temas. Sabe-se que, sobretudo, a questão de gênero vem sendo retirada de diversos planos estaduais e municipais de educação, devido a uma forte pressão de bancadas evangélicas. Assim, preocupa se essa temática estará contemplada na Base Nacional Comum, ou se estará presente de forma genérica e descaracterizada. Essa ausência em um projeto nacional tende a fortalecer ainda mais a retirada do tema nos âmbitos estadual e municipal.

                   O debate e compreensão das relações entre o ser mulher e homem, entre o feminino e o masculino - o gênero, ainda é um elemento muito pouco visto e discutido, mesmo sendo imprescindível seu estudo em uma sociedade de classes.

                   A descolonização do conhecimento geográfico, por exemplo, nos permite ver como o racismo opera criando, recriando, reproduzindo, aprofundando e perpetuando as desigualdades sociais em diferentes espaços (Santos, 2007); A ideia de “raça” é seguramente, o mais eficaz instrumento de dominação social inventado (Quijano,2007); A decolonialidade possibilita olhar o mundo a partir de outros lugares, olhar além da matriz do sistema mundo branco/patriarcal/capitalista/colonial/moderno (Grosfoguel,2005).

                   Tratar das temáticas, gênero e raça no ensino de Geografia, é desvelar suas relevâncias como elementos de análise do espaço. Elementos que devem estar presentes nas aulas de Geografia, que se deseja ser ciência instrumental, para uma prática pedagógica emancipatória, e que através da qual ensinemos (e aprendamos) a (re)posicionarmos no mundo.

                   Abordando especialmente a condição da mulher negra, no que concerne à investigação científica diante do ser mulher negra a partir dos estudos voltados à raça/etnia e gênero, verifica-se que há uma identidade que vem sendo reprimida e/ou invisibilizada ao longo dos tempos.

                    Os currículos, em sua maioria, reproduzem uma realidade social que garante o homem, sobretudo o homem branco, como detentor do poder, do conhecimento e ator hegemônico das mudanças vividas pela sociedade em geral, tanto em nível político, social, como também cultural.

                     Repensar a questão curricular pressupõe o estabelecimento de novos paradigmas na educação. Paradigmas que auxiliem na compreensão do currículo como conhecimento e como proposta de trabalho voltada para a eliminação de qualquer tipo de discriminação por parte de educadoras e educadores, educandas e educandos, nos espaços escolares, visando uma sociedade com equidade de gênero e raça.

 

Referências

 

BRASIL. Lei no. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Último acesso em: 25/04/2015.

 

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 - Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2014/lei-13005-25-junho-2014-778970-publicacaooriginal-144468-pl.html. Último acesso em: 24/04/2015.

 

CÂMARA DOS DEPUTADOS/CEENSI. Projeto de Lei no. 6.840/2013 – Altera a LDB para instituir a jornada em tempo integral no ensino médio, dispor sobre a organização dos currículos do ensino médio em áreas do conhecimento e dá outras providências. Disponível em: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1200428&filename=PL+6840/2013. Último acesso em 29/04/2015.

 

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Parecer sobre o Projeto de Lei 6.840/2013: https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1294377&filename=Tramitacao-PL+6840/2013. Último acesso em 29/04/2015.

COUTO, Marcos A. C; Tinoco, André; CORREA, F. C; SERRA, Enio; BERBAT, M. C. Contra a precarização da escola pública brasileira e pela valorização da profissão docente. Terra Livre, São Paulo, p. 145 - 158, 01 jun. 2013.

 

EDUCAÇÃO & SOCIEDADE: Revista de Ciência da Educação/Centro de Estudos Educação e Sociedade. Campinas. V. 32. N.115 – p. 265-600. Abr.-jun. 2011.

 

FRIGOTTO. Gaudêncio. Fundamentos Técnicos e Científicos da Relação Trabalho e Educação no Brasil de Hoje in: LIMA, J. C. F. & NEVES, L. M. W. (orgs.) Fundamentos da Educação Escolar do Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz/EPSJV, 2016. pp. 241-288.

 

GOMES, Nilma Lino. Relações Étnico-Raciais, Educação e Descolonização dos Currículos. Currículo sem Fronteiras, v. 12, p. 98-109, 2012.

 

GOMES, Nilma Lino; MIRANDA, S. A. Gênero, raça e educação: indagações adivindas de um olhar sobre uma academia de modelos. POIÉSIS - Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação (Unisul), v. 8, p. 81-103, 2014.

 

GROSFOGUEL, Ramón. Descolonizar os paradigmas da economia política: transmodernidade, pensamento de fronteira, e colonialidade global. 2005.

Acessado 16/08/2015. Disponível em:

https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/periferia/article/viewFile/3428/2354.

 

QUIJANO, Aníbal. “O que é essa tal de raça?” In: Diversidade, espaço e relações étnico-raciais: o negro na Geografia do Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

 

SANTOS, Renato Emerson dos. “O ensino de Geografia e as relações raciais: reflexões a partir da Lei 10.639”. In: Diversidade, espaço e relações étnico-

 

 



[1] Dados retirados do “DOCUMENTO DE CONSULTA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: INDICADORES E DESAFIOS” do Fórum Nacional de Educação (Brasil: FNE, 2013).

[2] PORTARIA Nº 592, DE 17 DE JUNHO DE 2015 Art. 1º parágrafo 2º Participarão dessa comissão profissionais de todas as unidades da federação indicados pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação – CONSED e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – Undime.

 

[3] Podemos cita o Estado de Minas Gerais com CBC-Currículo de Base Comum. Reinventando o Ensino Médio 2012. Professor Polivalente no Município do Rio de Janeiro e no Estado de São Paulo.ME

[4] O conceito de gênero faz referência a todas as diferenças entre homens e mulheres que foram construídas social e culturalmente e que condicionam relações de subordinação/dominação. E se entende por raça o constructo social forjado nas relações entre brancos e negros, e nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII.

 

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